"-E se fossemos ter com Deus?
-Ah, até que enfim, tem a morada dele?
-Acho que está na capela.
A Vovó-Rosa vestiu-me como se fossemos para o Pólo Norte, tomou-me nos braços e conduziu-me à capela que se situa ao fundo do parque do hospital, apra além dos relvados cobertos de gelo. Bem, não vale a pena explicar-te onde é, visto ser a tua casa.
Provocou-me um choque ver a tua estátua, ou seja, ver o estado em que estavas, quase todo nu, magrinho na tua cruz, com feridas por todo o lado, a cabeça a sangrar sob os espinhos e já sem conseguir segurar-se no pescoço. Fez-me pensar em mim. Revoltou-me. Eu, se fosse Deus, como tu, não me tinha deixado apanhar.
-Vovó-Rosa, seja sincera, a Vovó Rosa que é uma lutadora, que foi uma grande campeã, não vai acreditar nisto!
-Porquê, Óscar? Darias mais crédito a Deus se visses um culturista com o bife todo trabalhado, o músculo saliente, a pele oleada, o cabelo cortado à escovinha e o mini-slip a armar ao pingarelho?
-Bem...
-Pensa um pouco, Óscar. De quem é que te sentes mais próximo? De um Deus que não se aflige com nada ou de um Deus que sofre?
-Do que sofre, claro. Mas se eu fosse ele, se fosse Deus, se, como ele, tivesse meios para isso, teria evitado sofrer.
-Ninguém pode evitar sofrer. Nem Deus nem tu. Nem os teus pais nem eu.
-Está bem. Mas porquê sofrer?
-Essa é que é a questão. Há sofrimento e sofrimento. Olha melhor para o rosto dEle. Observa. Tem um ar de quem sofre?
- Não. é curioso. Não parece ter dores.
-Aí tens. É preciso distinguir dois penares, Óscar querido, o sofrimento físico e o sofrimento moral. O sofrimento físico temos de o suportar. O sofrimento moral, escolhêmo-lo. (...) Óscar, proponho-te que não tenhas medo mas sim confiança. Olha o rosto de Deus na cruz: suporta a dor física mas não sente dor moral porque tem confiança. Por isso sofre menos com os pregos. Vai repetindo para ti: isto faz doer, mas não pode ser uma dor. Aí tens! É este o benefício da fé. " Schmitt, Eric-Emmanuel; Óscar e a Senhora cor-de-rosa